segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

         MIGALHAS DE AMOR

            Chegou em casa, após a lida diária. Aquele havia sido o pior dia da semana. O cliente havia fechado a firma sem avisá-lo e ele quase enlouqueceu, pois viu escorrer entre seus dedos a sua tão sonhada comissão.
            E em casa, aquela coisa morna, desgastada após tanto tempo de casamento.
            Já não havia mais graça.
            Aquela coisa gostosa dela estar em casa esperando-o após o banho tomado, perfumada, com a dose de uísque a esperá-lo e ele a antever uma noite gloriosa de sexo, era coisa já de um remoto passado.
            Enfim, teria que se sujeitar. Aquele amor que ele ultimamente vinha pedindo, já o estava cansando, esgotando suas forças.
            Estacionou o carro, lembrando do dia difícil até acertar as coisas e finalmente não ter ficado no prejuízo.
            Ficou por uns momentos a ouvir a música dolente no rádio do carro, que falava de um amor fugidio que tinha levantado o ânimo do autor e lhe dado prazer.
            Pensou que poderia estar na pele do letrista e viver um arrebatamento nem que fosse por um dia, uma semana, um mês, mas que o ajudasse a sair do marasmo.
            Amava ainda aquela mulher que havia desposado, mas estava assim há tempos, à espera de algo que o fizesse ir às nuvens: um amor proibido.
            Leitor assíduo de romances de aventuras e de amor viu-se por vezes na pele dos protagonistas, sobretudo quando se tratava de aventuras extra-conjugais.
            Desligou o rádio, passou a mão na testa como que a afugentar pensamentos ruins, pegou a pasta com documentos, o laptop, fechou o carro e com passo cansado, entrou em casa.
            A mulher não estava.
            Estranhou, pois ela sempre lhe telefonava quando ia sair ou ir em casa de uma vizinha.
            Largou tudo sobre o sofá da sala e dirigiu-se à cozinha para preparar a bebida antes de ir para o chuveiro, depois ler o jornal do dia e descansar até o jantar.
            Sua garrafa de uísque não estava no local onde sempre estivera. Procurou em outros compartimentos; nada.
            Resolveu ligar para a mulher, porém observou que ela havia deixado o aparelho sobre a pia da cozinha.
            E agora, sem uísque, sem contato com a mulher.
            Há dias em que tudo dá errado. Aquele havia sido um, com pelo menos um saldo positivo, o de haver salvo o seu dinheiro da comissão.
            Resolveu, então, tomar um banho. Relaxado, veria o que fazer.
            Demorou-se o mais que pode com a água tépida a relaxar seus membros cansados.
            Saiu do banho, olhou o relógio. 20 horas!
            Pensou ter ouvido a porta da frente, bater. Foi até lá.
            Era ela que chegava com compras, sorridente, afogueada.
            Dizem que mulheres adoram fazer compras, é uma coisa orgástica, dizem os machistas de plantão.
            - Onde você esteve? Por que não levou o telefone? Poderia ter me avisado!
            - Por que tantas perguntas de uma só vez? Esqueci o celular, oras. Fui com Mariana ver umas promoções em blusas.
            - Você já não tem roupa que chega? Pra que se não gosta mais de sair comigo? Vai usar roupa nova pra ver televisão ou ir na casa da vizinha?
            - Ihhh, você está com o ovo virado, é?
            - Onde está a minha garrafa de uísque?
            - No mesmo lugar, oras.
            - Olhe, está vazio o lugar da garrafa.
            - Ah, é mesmo, esqueci de dizer que seus sobrinhos estiveram aqui à tarde e detonaram o que estava na garrafa.
            - Pelo amor de Deus, tomaram quase a garrafa toda, pois eu havia tomado só duas doses!
            - Ah, pra que fazer um cavalo de batalha por causa de uma bebida? Aliás, você nem deveria ter bebida de espécie alguma em casa, pois sabe que não pode beber.
            - É uma das coisas que ultimamente me dá prazer.
            - O que quer dizer com isso? Que eu não lhe dou mais prazer?
            - Prazer em que? Nas migalhas que você me oferta? Eu tenho que pedir um beijo, um abraço, sempre. Você nada dá espontaneamente.
            - Por favor, não vamos brigar. Estou cansada, andei a tarde inteira de loja em loja. Vou tomar um banho e depois fazer o seu jantar.
            - Hoje não precisa. Não estou com fome. Não precisa se incomodar. Vou fazer um sanduiche. Tem uma cerveja. Vou tomar.
            - Como queira.
            Ele, então, ficou sozinho a remoer sua solidão, embora não vivesse sozinho, pois além da mulher, havia dois filhos e a empregada que saía às 16 horas.
            Foi à cozinha, fez o lanche e com a latinha de cerveja na mão, sentou-se no sofá, sorvendo a gelada com vagar.
            Tantos anos casados, tantas juras de amor, tantas noites gloriosas de sexo e ele, agora na plenitude da vida, no momento em que precisava desesperadamente de carinho, recebe migalhas de amor.
            E ali mesmo, na solidão do sofá, adormeceu.
            Maura Soares
            Aos 28 de janeiro de 2011, 17.00 horas, horário de verão.
  

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