segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

NÃO INTICA CO´A BUCICA (*)

- Ô, João, cadê o Tonho?
            - Foi na casa do dotoire Jona levá as posta de inchova qu´eu pesquei dijaôje, sarguei e tinha que levá logo, pois o dia tá quente.
            - Ah, bão. Ispero que ele não fique por lá brincando com os minino, pois tenho que mandá intregá as renda que fiz pra Dona Carlota, lá na ponta do Sambaqui.
            - Diquiapouco ele tá aí, mulhé. Deixa de preocupação.
            - Esse minino me deixa c´os cabelo em pé. Nunca vi rapagi mais levado. Isso é pra pagá minha língua.
            - Deixa disso, mulhé. O minino é levado, pois eu era ansim quando era minino, tombem.
            - Vai dizê que ele só puxô a ti, João? E adonde fica o meu sangue, hein?
            - Ô, mulhé, quando a genti diz que os filho puxaro a genti, é purquê a genti era ansim quando era piqueno, ora! O meu sangui e o teu tão nele.
            - Ah, bão. Si é ansim, tá. Mas qu´eu fico preocupada, fico.
            Mais de uma hora depois, chega o Tonho, todo lanhado, com as pernas vermelhas de mercúrio cromo. Junto com Tonho, o amigo, filho de Nhô Lau, Tililica, apelido de José Libório.
            Os dois meninos chegam na porta do casebre de João e Tonho, cabeça baixa, com o nariz escorrendo de tanto ter chorado, entra ressabiado, pois sabe que o chinelo da mãe às vezes cantava em seus fundilhos.
            - Óia o minino aí, mulhé. Num disse que ele vortava?
            João então se dá conta da cara do filho, ressabiado, feito gato que lambeu banha e exclama:
            -  O que houve, rapagi? Caísse?
            Tililica vendo o amigo se esgueirando pela parede, se apressa em responder, mas, antes, a mãe vem da cozinha com a escumadeira na mão – estava cozinhando – e vendo o filho naquele estado deplorável, pergunta?
            - Minha Nossa Sinhora das Graça! O que tu fizesse, Tonho? Tu vai apanhá, seu safado.
            Tililica, interpondo-se entre a mãe e o filho, diz aos borbotões:
            - Eu bem que avisei pra ele, dona Maria, não intica c´oa bucica, mas o Tonho é teimoso...
            - Que bucica?, perguntou a mãe.
            - A bucica do seu Jona. Ele tem uma grande assim, que está sempre amarrada. Mas o Tonho não se conteve e jogou um pedaço de pau nela. Ela se soltou da corrente e partiu pra cima dele. O seu Jona apartou o cachorro, mas ele já tinha lanhado o Tonho. Daí o seu Jona levou o Tonho e passou mercúrio nele.
            O pai, calmo como todo pescador, pacientemente disse ao filho:
            - Inticasse com um bicho que não era teu, agora sofre.
            - Merece apanhá e já te dou c´a escumadeira, seu...
            - Calma, mulhé. Isso passa. Só tem uma coisa. Se aconticê di novo, eu é que te lanho. Já pra cama qui é lugá quenti. Hoje tu não vais mais saí de casa. O Tililica volta aminhã procês brincá.
Maura Soares, in “Não intica co´a bucica – Crônicas do falar ilhéu”, livro artesanal. Inédito. Aos 10.01.2007 – 21.20h – horário de verão

Nenhum comentário:

Postar um comentário