segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Emanuel Medeiros Vieira sabe, como ninguém,descrever em um poema, todo o seu sentimento relacionado ao Amor.



A MULHER E O PEREGRINO
    EMANUEL MEDEIROS VIEIRA(*)
       
Apenas peregrino/pulsante,
        “é vermelha, cor do sangue” – ela diz,
        jogando a calcinha no tapete,
        contemplo o matagal
                             sal da vida
                             úmido
                             pêlos encrespados,
      teus gemidos cortam a tarde, como um túnel,
      meu dedo em romaria no teu útero
                                                     matriz de tudo
                                                     “mater” minha
     cachorro late ao longe, ronco de um caminhão,
     o tempo zomba de nós,
     lambes  – lúbrica – a língua,
     viva!, a Portuguesa, e esta que me arrepia agora.
     Bússola afetiva: decifro (?) o mapa do teu corpo
      (vacina de infância),
     minha sina, minha mina,
     estupidamente comovido,
     cumpro a jornada – esta vida.
   
     Fatigado e celebrante,
     vivo a vertigem – passageira.
     Lembro do poeta:
     “Nós que devemos morrer, exigimos um
       Milagre”. (W. H. Auden)
     Grito “primal” pós-coito,
    cheiros que se contaminam – perfume paraguaio,
    esperma, suor,
    ah, vida,  urina, outros odores.
    Contemplo tuas axilas raspadas,
    teus olhos tão negros que parecem um bisturi
   afetivo – eles tudo enxergam,
   palavras não ditas – fêmea que não se revela.

  Sim: como Rosa disse,
  amar não é verbo, mas luz lembrada.

 Quem és tu?
 Quem sou eu?
 Quem somos nós?
 Nunca saberemos.
Analfabetos das emoções: para sempre.

Uma sinfonia neste anoitecer,
quase sempre silenciosa.
Serenados estamos.

Mordes uma maçã, o livro entreaberto entre as coxas, lês: “Se Deus morreu tudo é permitido.”
Corpos entrelaçados, estamos tão perto Dele.
Dure, energia!, imploro.
Ajoelho-me e oro.
Lambo tua umidade, um gosto de sal (mar da
 infância), ris de olhos fechados, longas pernas,
 cabelo oxigenado,
 tão sincera/tão simulacro,
és bela-bela,
amorável mulher,
Deus desaparece, depois reaparece,
saciados, molhados, mortais,
vulcânica posse, abro mais esta fenda,
puxo os teus cabelos, com rudeza e doçura
(sim, sempre ambivalente),
um fio branco cai no meu peito, passamos, envelhecemos, e vamos todos morrer.
Extenuado, indago com Freud: “Afinal, o que querem as mulheres?”
Suplicante, gemes mais baixinho,
subalterna, ficas de quatro,
respondes: “O mesmo que os homens.”

Calcinha no ombro, cor de sangue, lépida –
garça vespertina –,
vais ao banheiro, olhos fechados, tudo é noite.
Já posso partir, e a memória do teu corpo
me inunda.

E direi: “Vivi como um peregrino e, mais tarde,
um surpreendente e definitivo passo darei ao morrer.”
(Palavras escritas no mármore branco da minha
peregrinação.)
(*) poeta catarinense, atualmente radicado na Bahia.

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